TRIBUTAR LIVROS PODE SER UM FREIO À MOBILIDADE SOCIAL

Bens de luxo: Iates, helicópteros e… livros! Concorda?

Prezados leitores, escrevo este texto dia 23/04/2021, dia do Livro e do Autor. Data especial, na qual me sinto muito feliz e privilegiada pois me lembro dos livros que li e mudaram minha vida. Por isso, me motivei a escrever sobre essa ideia que está rolando por aí de tributar livros, com o argumento de que só os ricos leem, portanto, seria uma boa forma de aumentar a arrecadação sem afetar o consumo. Você é a favor disso?

Vamos analisar com calma esse comentário.

Pra quê exatamente serve o sistema tributário? Vou dar uns insights agora pra elucidar melhor o tema. Resumidamente, o sistema tributário tem como funções arrecadar recursos para o governo (para pagar as contas do país), regular a economia e cumprir uma função social de redistribuição.

É certo que existem alguns tributos preferidos para cada função. Por exemplo, o Imposto de Renda costuma ser, em todos os países, o tributo com maior arrecadação. Isso significa que ele é muito utilizado com a função fiscal (de arrecadação). As contribuições trabalhistas e sociais servem especificamente para financiar o SUS e a Previdência. Já os impostos de comércio exterior são mais utilizados com o intuito de regular a economia, proteger a indústria nacional, incentivar exportações, etc. Com isso, temos os tributos indiretos, que são aqueles incidentes sobre o consumo que também podem ter diferentes funções. Por exemplo, quando o imposto sobre o cigarro é alto, a ideia é desestimular o consumo, porque fumar faz mal à saúde. Medicamentos e produtos da cesta básica deveriam ter isenção ou tributos bem baixos, pois são bens super necessários para a população. Em compensação, o Iphone não é, então faz sentido que tenha um imposto mais alto.

E os livros? No Brasil, livro é isento de imposto desde a Constituição Federal de 1946. Depois disso tivemos uma mega reforma tributária durante a Ditadura, um novo código tributário em 1967, e uma nova Constituição em 1988, e o livro seguiu sendo isento. Inclusive, é cláusula pétrea do texto, ou seja, algo que não pode ser modificado na Constituição.

Mas, se não pode ser modificada, por que estamos vendo toda essa discussão? Por que o Ministro da Economia, Paulo Guedes, propôs isto na reforma tributária que ele quer fazer? Bom, porque como eu disse acima, existem diversos tipos de tributos. E a isenção do livro como cláusula pétrea é somente para os impostos, não englobando os tributos de contribuição (tipo PIS e Cofins), que têm destinação específica. Atualmente, os livros estão isentos destes tributos também, mas na proposta apresentada pelo governo, seriam substituídos por uma nova Contribuição Social com alíquota de 12% que poderiam incidir sobre livros, jornais, etc.

Com o objetivo de aumentar a arrecadação (não sei bem se pagar as contas de juros do governo, ou redistribuir renda com o auxílio emergencial – contém ironia), a ideia se baseia na justificativa de que o acesso ao livro é exclusivo das camadas mais ricas da população e que, portanto, seria justo cobrar tributo das classes mais altas. Mas, peraí. Só rico que lê? E, se for, por quê? Será que pobre não gosta de ler? Ou não tem acesso à cultura? Quantas bibliotecas públicas existem nos bairros mais pobres da sua cidade?

A proposta do governo diz que “famílias com renda de até dois salários mínimos não consomem livros não didáticos e a maior parte desses livros é consumida pelas famílias com renda superior a 10 salários mínimos”. No entanto, o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) rebate este argumento afirmando que “o consumo de livros não didáticos é dividido 50% entre as famílias com renda acima e abaixo de 10 salários mínimos”.

É certo que o hábito da leitura é uma questão familiar e também da cultura de cada país. Mas, se os tributos são tão importantes a ponto de afetarem o comércio internacional, será que também não o são para afetar a demanda por livros? A isenção de tributos é uma forma de encorajar a leitura e promover a educação.

O International Publishers Association fez um levantamento sobre como funciona a tributação dos livros no mundo, e o resultado foi que a maior parte dos países leva em consideração a importância social da literatura e aplica taxas reduzidas ou isenção, em especial para os livros impressos. Na nossa região, nenhum país, com exceção do Chile, cobra nenhum tipo de tributo sobre os livros.

Também vale ressaltar que a leitura auxilia na educação e, por consequência, facilita a mobilidade social. Além disso, o crescimento pessoal traz benefícios a médio prazo para a sociedade como um todo. Temos que pensar que a leitura não é só uma forma de lazer, mas sim, de acesso ao conhecimento. Quem é de família não rica sabe muito bem quanto custam os livros escolares. Eu mesma, diversas vezes, estudei na faculdade com livros emprestados por colegas ou da biblioteca. Mais um dado que comprova isso é o hábito de ir a bibliotecas. Segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro, na classe A o hábito de ir à biblioteca é minoria: apenas 3%. Entre as classes B, C e D/E, o percentual é de 26%, 49% e 21%, respectivamente.

Num país onde metade da população tem insegurança alimentar[1], tributar livros só faz aumentar a abismal desigualdade existente. Se as classes mais pobres não têm dinheiro nem para comer, teriam para ler? Ou será que é só mesmo falta de gosto pela leitura?

Seguindo no argumento apresentado pelo governo, hoje em dia a maior parte da leitura se daria por meios eletrônicos, como tablets e e-books.

Marcelo Gioia, CEO da Bookwire no Brasil, afirma que a distribuição de livros em modo eletrônico cresceu durante a pandemia e que talvez essa nova modalidade de leitura tenha vindo para ficar, já que os dados mostram um patamar de vendas superior ao de 2019. Com certeza, a educação à distância e o confinamento contribuíram bastante para isso.

A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil também mostra que quase 70% dos entrevistados preferem os livros físicos. No entanto, os livros digitais estão entrando com força no hábito dos brasileiros e, dos que os utilizam, metade tem entre 18-39 anos; e 80% estão nas classes B e C. Ou seja, não é só privilégio dos mais abastados.

Não sei vocês, mas eu ainda gosto de cheirar o livro quando leio. O prazer de passar as páginas e avançar na história é mais visível num livro em papel do que num arquivo de computador. Além disso, tem também aquele hábito de tentar descobrir o que outro passageiro está lendo no transporte, tentando ver a capa do livro. É certo que a tecnologia veio para nos ajudar, e os formatos eletrônicos nos permitem carregar muito mais livros (e muito menos peso) em apenas um local. Por este motivo, a nova forma de leitura também deve ter os mesmos privilégios que a tradicional.

Agora, rebatendo um pouco o argumento do ministro… Se podemos tributar livros porque só os ricos leem… Por que não tributar as grandes fortunas então? A começar pelos jatos e iates dos mais ricos que não são tributados nem pelo IPVA…

Se você gostou do tema, e quer saber mais sobre o Manifesto em defesa do livro, acesse o link abaixo: http://cbl.org.br/imprensa/noticias/manifesto-em-defesa-do-livro

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Natassia Nascimento, graduada em Ciências Econômicas pela UFRJ, Mestrado em Economia pela UFF. Atualmente é Doutoranda em Economia pelo Instituto Economia da UFRJ. Tem experiência na área de Economia do Setor Público, com ênfase em Economia dos Programas de Bem-estar Social, atuando principalmente nos seguintes temas: tributação da riqueza, desigualdade, estrutura tributária, imposto sobre a riqueza e distribuição de renda.